Educação e sua dedução integral no Imposto de Renda

Análise com base no processo nº 0021916-79.2015.4.03.6100 do TRF3º.

A educação tem tratamento especial na Constituição Federal – CF de 1988, com previsão nos artigos 6º e 205 a 214, sendo que é considerada direito social fundamental e também serviço público essencial, sendo que em contraposição ao direito existe o dever jurídico do Estado em prestá-lo.

O artigo 205 da CF busca demonstrar essa relação de direito e dever, sendo que também expressa os objetivos basilares da educação, ipsis litteris:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Sendo um direito social, cabe ao Estado o dever de fornecer o acesso à educação aos cidadãos, e como André Ramos Tavares [1] explica:

Perante o direito à educação como direito fundamental ao Estado surge um dever de atuar positivamente, seja i) criando condições normativas adequadas ao exercício desse direito (legislação), seja ii) na criação de condições reais, com estruturas, instituições e recursos humanos (as chamadas garantias institucionais relacionadas diretamente a direitos fundamentais).
Entretanto, esta prestação positiva estatal não tem sido muito efetiva visto o descaso histórico com a educação no país, como afirma Gilmar Ferreira Mendes [2]:

No Brasil, em razão do histórico do descaso do Estado no que diz respeito ao oferecimento de uma rede educacional extensa e de qualidade, ocorreu a marginalização de amplos setores da sociedade, prejudicando, inclusive a concretização de outros direitos fundamentais.
A qualidade do ensino é o principal problema do Brasil, conforme estudo da Central Connecticut State University (Estados Unidos) denominado ranking WMLN (World’s Most Literate Nations), constatou-se que entre 61 países o Brasil é o que tem mais crianças na escola, entretanto quanto ao quesito qualidade fica na 55ª colocação.

Diante disto, a busca por instituições de ensino particulares aumenta visando obter a qualidade na educação, e suprir a ineficácia do sistema público de ensino no Brasil.

Por consequência, o estudo particular demanda o pagamento de valores, por vezes muito elevados, e em contrapartida com o mesmo objetivo de estímulo à educação, surge a possibilidade de dedução das despesas relativas à educação da base de cálculo do Imposto de Renda – IR, vide texto da Lei nº 9.250/95:

Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:

I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;

II – das deduções relativas:

b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: […]
O dispositivo representa uma espécie de incentivo fiscal educacional, entretanto apresenta uma limitação anual dos valores que podem ser deduzidos, como exemplo no ano-calendário de 2015 o valor era de R$3.561,50 [4].

Esta limitação foi objeto de ação judicial, movida pela APESP – Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo face a União, e que pleiteou a dedução integral das despesas com educação do Imposto de Renda.

Neste processo nº 0021916-79.2015.4.03.6100 – Justiça Federal de São Paulo – o magistrado da 21ª Vara Federal Cível julgou procedente o pedido da APESP assegurando a dedução integral das despesas na base de cálculo do IRPF.

A controvérsia é em relação à dedução ilimitada de despesas com saúde da base no IR e a limitação quanto à educação, sendo que não há justificativa para a distinção realizada pela Lei, visto que ambos são direitos sociais fundamentais de eficácia plena, conforme artigo 3º, incisos II, III e IV, e mais precisamente o artigo 6º da Constituição Federal de 1988:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Diante disto, se verifica que o direito à saúde e a educação estão em mesmo patamar, como direito sociais fundamentais de eficácia plena, e portanto não há razão para a distinção feita e a limitação na dedução da base de cálculo do IR quanto à educação.

Sendo que, a partir deste fundamento e da análise dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, é clara a inconstitucionalidade do trecho final do dispositivo que limita a dedução, seguindo entendimento do magistrado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
[1] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. Ed. Rev. E atual. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 312-313.

[2] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 879.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10. Ed. Rev. E atual. Sâo Paulo: Saraiva, 2015. P. 650-651.

[4] Vide artigo 8º, II, alínea b, item 10, da Lei 9.250/95.

Por Felipe Vieira Baumgärtner
Foco na área tributária, civil e empresarial. Interesse em previdenciário, administrativo e demais áreas.

Fonte: baumgartner.jusbrasil.com.br

Start typing and press Enter to search