Falta de comprovante da fonte pagadora não impede dedução de IR

O Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), em regra, é considerado antecipação do devido para as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real.

Isso porque os resultados auferidos e que deram origem às retenções do IRRF devem obrigatoriamente integrar o resultado tributável da pessoa jurídica sujeita à apuração com base no lucro real. Em outras palavras, por conta de as receitas integrarem a base do IRPJ, o IRRF é considerado antecipação do devido ao término do período de apuração.

De outro lado, para a verificação da certeza e liquidez do indébito tributário atinente aos recolhimentos do IRRF, a legislação impõe a verificação da regularidade da determinação da base de cálculo que lhe dá fundamento. É o que estabelece o artigo 2º, parágrafo 4º, da Lei 9.430/96:

“Art. 2º A pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada, mediante a aplicação, sobre a receita bruta auferida mensalmente, dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 e nos arts. 30 a 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995. (…) § 4º Para efeito de determinação do saldo de imposto a pagar ou a ser compensado, a pessoa jurídica poderá deduzir do imposto devido o valor: (…) III – do imposto de renda pago ou retido na fonte, incidente sobre receitas computadas na determinação do lucro real” (grifo nosso).

Nos termos do artigo 55 da Lei 7.450/85, temos que “o imposto de renda retido na fonte sobre quaisquer rendimentos somente poderá ser compensado na declaração de pessoa física ou jurídica, se o contribuinte possuir comprovante de retenção emitido em seu nome pela fonte pagadora dos rendimentos”.

O artigo 988 do RIR/2018 tem redação semelhante: “Art. 988. O imposto retido na fonte sobre quaisquer rendimentos ou ganhos de capital somente poderá ser compensado na declaração de pessoa física ou jurídica, quando for o caso, se o contribuinte possuir comprovante da retenção emitido em seu nome pela fonte pagadora, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 7º, e no § 1º do art. 8”.

Nessa conformidade, há dois requisitos para que o IRRF seja considerado como saldo negativo na apuração do IRPJ: (i) comprovação da retenção através de documento emitido pela fonte pagadora dos rendimentos (Dirf) e (ii) cômputo das receitas correspondentes na base de cálculo do imposto. Nesse sentido, há diversos pronunciamentos do Carf:

DCOMP. DECLARAÇÃO DE COMPENSAÇÃO. CRÉDITO. SALDO NEGATIVO. O saldo negativo, passível de compensação tributária, é aquele apurado ao final do período a partir do confronto entre o imposto devido ou contribuição devida e as parcelas já antecipadas. O reconhecimento de direito creditório, relativo a saldo negativo apurado no final do período, para ulterior compensação com débitos vencidos ou vincendos, condiciona­-se à demonstração de sua certeza e liquidez, o que inclui a comprovação das retenções na fonte levadas à dedução, por meio dos informes de rendimentos emitidos pelas fontes pagadoras, nos termos da legislação de regência. Admite­-se a utilização das retenções na fonte como dedução na apuração da exação fiscal ao final do período, quando comprovada a ocorrência da retenção por meio dos respectivos informes de rendimentos emitidos pelas fontes pagadoras em nome do beneficiário, o que pode ser suprido pela confirmação em DIRF, e desde que comprovado, ainda, o oferecimento à tributação dos correspondentes rendimentos que sofreram as retenções” (Acórdão 1301-002.899, Rel. Cons. Fernando Brasil de Oliveira Pinto, J: 16/03/2018 – grifo nosso).

DCOMP. SALDO NEGATIVO DE IRPJ. IRRF. ÔNUS DA PROVA. No que se refere à comprovação do imposto de renda na fonte, o meio probatório adequado, por expressa disposição legal, é o comprovante de retenção emitido pelo responsável por substituição. A ausência de informações essenciais no documento impede o reconhecimento do direito creditório pleiteado pela interessada” (Acórdão 1201­001.476, Rel. Cons. Roberto Caparroz Almeida, J: 13/09/16 – grifo nosso).

“Normas de Administração Tributária Ano-calendário: 2005. Pedido De Restituição. IRRF. Receitas. O deferimento do pedido de restituição que importa em reconhecimento de IRRF, transmutado em saldo negativo de IRPJ, depende de duas condições: a comprovação cabal que as receitas correlatas foram efetivamente oferecidas à tributação e o não aproveitamento deste valor pelo contribuinte. Restituição Do Indébito Tributário. Prova. Ônus. O ônus da prova do crédito tributário pleiteado na Per/Dcomp – Pedido de Restituição é da contribuinte (artigo 333, I, do CPC). Não sendo produzida nos autos, indefere-se o pedido e não se homologa a compensação pretendida entre crédito e débito tributários” (Acórdão 1081-002.305, Rel. Cons. Ana de Barros Fernandes Wipprich, J: 04/03/2015 – grifo nosso).

A questão, inclusive, gerou a edição da Súmula 80 do Carf: “Na apuração do IRPJ, a pessoa jurídica poderá deduzir do imposto devido o valor do imposto de renda retido na fonte, desde que comprovada a retenção e o cômputo das receitas correspondentes na base de cálculo do imposto”.

Ocorre que, muitas vezes, os contribuintes ficam impossibilitados de utilizar os valores de crédito de IRRF em decorrência de informações equivocadas nos comprovantes de rendimentos emitidos pelas fontes pagadoras (por exemplo, quando o valor da Dirf enviada pela fonte pagadora apresenta valores inferiores ao que foi efetivamente retido das empresas).

Essas questões documentais dificultam o exercício do direito material dos contribuintes, que não se apropriam dos créditos a que têm direito, temendo questionamentos por parte das autoridades fiscais.

Entretanto, a ausência do documento específico elencado na norma infralegal, qual seja, o informe de rendimentos e a Dirf nos termos do artigo 988 do RIR/2018, não pode ilidir o direito do contribuinte, desde que outros meios possam provar a retenção e recolhimento do tributo.

Com efeito, apesar de o artigo 55 da Lei 7.450, de 1985, dispor sobre a necessidade de o contribuinte possuir comprovante de retenção emitido em seu nome pela fonte pagadora dos rendimentos, não se pode concluir que restaram esgotados todos os outros meios de prova possíveis.

Isso porque se deve interpretar o sistema jurídico de maneira integrada, sistêmica.

Inevitável deixar de constatar que o artigo 170 do CTN, ao predicar sobre a exigência de liquidez e certeza do crédito tributário, não delimitou os meios de provas aptos a lastrear os pleitos dos contribuintes.

Na realidade, a escrituração mantida e devidamente suportada por documentos hábeis mostra-se apta a comprovar eventos econômicos e financeiros da pessoa jurídica, sendo norma positivada por meio do Decreto-Lei 1.598, de 1977, artigo 9º, parágrafo 1º:

“Art 9º – A determinação do lucro real pelo contribuinte está sujeita a verificação pela autoridade tributária, com base no exame de livros e documentos da sua escrituração, na escrituração de outros contribuintes, em informação ou esclarecimentos do contribuinte ou de terceiros, ou em qualquer outro elemento de prova.

  • 1º – A escrituração mantida com observância das disposições legais faz prova a favor do contribuinte dos fatos nela registrados e comprovados por documentos hábeis, segundo sua natureza, ou assim definidos em preceitos legais.
  • 2º Cabe à autoridade administrativa a prova da inveracidade dos fatos registrados com observância do disposto no § 1º.
  • 3º O disposto no § 2º não se aplica aos casos em que a lei, por disposição especial, atribua ao contribuinte o ônus da prova de fatos registrados na sua escrituração”.

Vale registrar que, em se tratando de processo de reconhecimento de direito creditório, cabe à parte que ingressou com pedido de compensação (no caso, o contribuinte) o ônus da prova da liquidez e certeza do crédito tributário.

Mostra-se completamente irrazoável, entretanto, cercear o direito de defesa da parte, quando a emissão do documento Comprovante de Rendimentos e de Retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte encontra-se fora de sua alçada, vez que se trata de ônus da fonte pagadora (obrigação acessória de um terceiro). Se não deu causa à inexistência da prova, pode o contribuinte buscar, nos meios legais previstos, outra natureza de documentação apta a lastrear a retenção dos tributos.

A Receita Federal já se pronunciou sobre o tema, em soluções de consulta da 5ª Região Fiscal:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RETENÇÃO NA FONTE. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE. Mesmo não tendo recebido o comprovante de retenção anual pelos serviços prestados, pode a pessoa jurídica efetuar a dedução dos valores retidos na apuração dos correspondentes tributos. É possível utilizar como forma de comprovar à RFB o direito a essas deduções, alternativamente ao comprovante anual de retenções, quaisquer outros documentos hábeis, idôneos e suficientes para confirmar os valores efetivamente retidos” (Solução de Consulta 4 SRRF05/Disit 2/4/2013).

“COMPROVANTE ANUAL DE RETENÇÃO FORNECIDO POR ÓRGÃO OU ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. AUSÊNCIA. Na hipótese de o órgão ou entidade da administração pública federal não fornecer o comprovante anual de retenção, a pessoa jurídica poderá utilizar os seus registros contábeis, acompanhados da nota fiscal ou fatura e da comprovação do valor depositado pela fonte pagadora, para respaldar a compensação dos tributos e contribuições federais retidos” (Solução de Consulta 19 SRRF05/Disit 29/3/2004).

Exatamente por isso que a CSRF do Carf confirmou o entendimento de que a comprovação do saldo negativo decorrente de retenções na fonte pode se dar por qualquer meio de prova, mesmo na hipótese de a fonte pagadora não fornecer os comprovantes de retenção. É o que se depreende do recente precedente que restou assim ementado:

“COMPENSAÇÃO. SALDO NEGATIVO. RETENÇÕES DE IMPOSTO NA FONTE. COMPROVAÇÃO. Na hipótese de a fonte pagadora não fornecer o comprovante anual de retenção, sua prova pode se dar por outros meios previstos na legislação tributária, para fins de apuração de reconhecimento de direito creditório. Precedentes. Acórdãos nº 9101002.876 e 9101003.437” (Ac. 9101-004.110, sessão de 10 de abril de 2019).

Transcrevemos excerto do voto do conselheiro Rafael Vidal de Araújo, citado no Acórdão 9101003.437, didático e objetivo, o qual corrobora o posicionamento ora defendido:

“E a razão para isso é bem simples. Não há como prejudicar um contribuinte por falha/infração cometida por outro. No caso, negar o direito de aproveitamento de retenção na fonte sofrida pelo beneficiário de um rendimento em razão de a fonte pagadora descumprir o dever instrumental de emitir e lhe fornecer o respectivo comprovante de rendimentos e de retenção na fonte.

Não há como impor um ônus para um contribuinte cujo atendimento depende única e exclusivamente de conduta a ser praticada por outro contribuinte (emissão de comprovante de rendimentos e de retenção na fonte).

A imagem de um empregado/servidor que recebe pagamento descontado do IRFonte e que não pode computar essa retenção na sua declaração de rendimentos porque a fonte pagadora não emitiu o correspondente informe de rendimentos e de retenção na fonte ilustra bem o que está sendo dito.

O sentido que se dá ao texto da lei não pode conflitar de forma tão flagrante com o sistema jurídico.

Se a fonte pagadora não emite o referido comprovante, ou se o beneficiário do pagamento não tem como obter esse documento da fonte pagadora (e isso pode ocorrer em função de várias situações), não se pode negar ao beneficiário do pagamento o direito ao aproveitamento da retenção que este sofreu e que consegue comprovar com outros meios de prova”.

Em conclusão, mesmo na hipótese de a fonte pagadora não fornecer os comprovantes de retenção, o saldo negativo decorrente de retenções efetuadas por terceiros poderá ser utilizado em compensações, desde que seja possível comprová-lo por intermédio de quaisquer outros documentos hábeis, idôneos e suficientes para confirmar os valores efetivamente retidos e devidamente integrados aos resultados tributáveis dos respectivos períodos (exatamente por isso recomenda-se a guarda da escrita contábil e fiscal dos contribuintes pelo prazo legal de cinco anos).

Esse posicionamento também é suportado pela jurisprudência da própria Receita Federal e da CSRF do Carf.

Fonte: https://www.conjur.com.br Autor: Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino  

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