Tributação do agronegócio: boas e más notícias

 

“O agronegócio brasileiro é
capacitado pela sua produtividade e
qualidade… conforme atestam dados
oficiais… tem sido o principal fator que
impulsiona o desenvolvimento brasileiro.”
(Fábio Meirelles)

america-latina-laeconomiaSempre devemos dar primeiro as boas notícias: Vamos a elas:

Custos e riscos de mercado: Na quarta-feira (20/4), o Senado aprovou substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei 6.459/13, sobre contratos de integração agroindustrial. O presidente por certo o sancionará.

Renato Simplício, presidente da Comissão Nacional de Aves e Suínos da Confederação da Agricultura, afirmou que:

“A aprovação desse projeto é uma grande vitória, visto que desde 1998 tramita proposta legislativa no Congresso Nacional e nada ainda havia sido aprovado”.

Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil e advogada, já havia reconhecido a necessidade de investimentos do governo em logística para escoamento de produção agrícola, pedágio nas rodovias, ferrovias e MP dos Portos. Disse:

“Nós temos os resultados nas nossas balanças comerciais em grande parte devido a nossa produção agrícola. E estamos investindo para colocar a produção nos portos e exportar”.

Roberto Rodrigues, engenheiro agrônomo que foi ministro da Agricultura de Lula, e pode vir a ocupar o mesmo cargo com Temer, em entrevista à Folha de S.Paulo neste sábado (23/4), afirma:

“É essencial que a agricultura tenha alguém que entre jogando,. Não há tempo para aprendiz. O ministro tem de conhecer bem o setor. Precisamos ter também uma política comercial respaldada em acordos bilaterais”.

Katia Abreu, atual ministra da Agricultura, merece o elogio de Roberto Rodrigues, pois realmente vem

“…fazendo um bom trabalho, mas o governo é fraco e está praticamente paralisado. Ela ficou o com ações restritas e mãos atadas”.

O projeto Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), também conhecido comoatopiba, do qual Katia Abreu é entusiasmada defensora, representa verdadeira redenção de uma parte importante do território nacional. Todo brasileiro tem o dever de conhecê-lo. E é o que vou fazer em breve. Fiquei apaixonado pelo município de Côcos, talvez por possuir a mesma área do Líbano: pouco mais de 10.000 km2 e ser vizinho de Montalvania (MG), cidade dedicada a filósofos.

Agora, prezados leitores, vamos às más notícias:

Custos elevados: No mesmo 20 de abril de 2016, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que:

“Os elevados custos de produção devem reduzir a produção de leite nos países do Mercosul este ano… Os preços do leite cru devem subir, pressionando as margens da indústria em um momento de fraca demanda. No Brasil, o Rabobank prevê que o consumo per capita de lácteos cairá 4% em 2016…a instituição prevê uma recuperação somente em 2018, e os níveis só devem voltar aos mesmos patamares de 2014 (174 litros de LME) em 2020…”.

Consumo reduzido: Ampliar a demanda na agropecuária, nos serviços e na indústria depende da economia. Sem que haja melhora no nível do emprego e crescimento de renda, a coisa só pode piorar. A queda do consumo de leite e seus derivados ultrapassou 90% nos últimos 10 anos! Compras de leite pela indústria caíram no ano passado. No quarto trimestre, foram 6,3 bilhões de litros. Em 2014, no mesmo período, foram 6,5 bilhões.

Desperdício do dinheiro público: Em 2015, foi gasto R$ 1,5 bilhão só com cargos sem concurso e quase R$ 200 bilhões só em despesas de pessoal. E os penduricalhos? Auxílio-moradia para quem tem casa própria, carros oficiais aos montes etc. precisam ser eliminados ou seriamente reduzidos.

Insegurança jurídica: Em 15 de fevereiro deste ano, em O terrorismo tributário prejudica o Brasil, registramos que:

“A cobrança excessiva de impostos e a insegurança jurídica na legislação aplicável não são novidades…”.

Aumento da carga tributária: O senador Ronaldo Caiado (Folha de S.Paulo de 13 de fevereiro de 2016) escreveu:

“O governo federal se articula mais uma vez para derrubar o setor agropecuário…”.

Referia-se à contribuição previdenciária e também à CPMF. Sobre esta, disse: “A CPMF é mais um exemplo de como o governo só tem ideias que prejudicam o cidadão. Dilma quer punir o brasileiro com mais imposto enquanto a carga tributária segue como uma das mais altas do mundo”.

Tem razão, senador, ainda que o governo mude em breve. Vejam a coluna de fevereiro acima citada:

“A nível federal surge a proposta de ressuscitar a CPMF, aprova-se a possibilidade de quebra de sigilo bancário como instrumento de arrecadação, limitam-se deduções do imposto de renda sem considerar a variação real da moeda nacional etc.”.

Nos estados e municípios não é diferente.

Ana Carla Abraão Costa, secretária de Fazenda de Goiás, economista com mestrado e doutorado na FGV, afirmou que medida adotada por Goiás não é tributação de exportações e que os volumes destinados ao mercado doméstico já pagam o ICMS. Sustenta que o governo goiano propõe tributar apenas o que ultrapassar as cotas de exportação estabelecidas.

Em recentre manifesto, a CNA registra que a decisão tributa as exportações e cria reserva de mercado. A decisão de Goiás resulta da mania de copiar as ilegalidades paulistas. Quem se submeter à tortura de conseguir decifrar essa sacanagem verá que há uma enorme quantidade de decretos, todos em desacordo com a lei estadual.

E há uma série de falsificações no artigo 71 da Lei 6.374 que o governo paulista praticou ao invocar o artigo 155, parágrafo 2º, XII, “g” da Constituição Federal. A mais grotesca diz que tudo isso atende a pleito do setor de frigoríficos, hoje vítimas do terrorismo tributário.

Pior: resolve aplicar regime especial a quem esteja em inadimplência, com o que ignora a Súmula 547 do STF para que seja obrigado ao

“recolhimento antecipado ou simultâneo do imposto devido, em decorrência de cada operação ou prestação realizada, mediante guia”.

No pântano, há pedaços da colcha de retalhos chamada Constituição. Um deles é o artigo 155, parágrafo 2º, XII, “g”:

“Regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

Imagina o “governo” que somos idiotas. Tenta explicar a tramoia na Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, a Lei Kandir. Seus artigos 5º e 6º dizem neste sábado em que escrevo:

“Artigo 5º – Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo.

Artigo 6º – Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

Parágrafo 1º. A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.

Parágrafo 2º. A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado”.

A CF é clara: “Mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais”.

No Estado Democrático de Direito vigora o princípio constitucional da legalidade absoluta, pelo qual “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O conceito de lei é indiscutível: é ato privativo dos membros do Poder Legislativo. Convênios não são leis, mas atos administrativos. O nosso saudoso mestre, professor Geraldo Ataliba, ensinou:

“São inconstitucionais todos os ‘convênios’ pretensamente celebrados pelos secretários da Fazenda dos Estados, a pretexto de cumprir o preceito constitucional supracitado. E o são porque os intérpretes da Carta Constitucional pretenderam obedecer a um mandamento constitucional com abstração do sistema constitucional e suas exigências fundamentais… A curiosa e teratológica praxe atual, fundada em norma perempta e natimorta, consiste em os secretários da Fazenda se reunirem, assinarem um documento batizado de convênio e submeterem-no à aprovação do chefe do Executivo do seu estado mediante decreto. E com isso supõem todos num fantástico ‘jogo de faz de conta’ que a Carta Magna foi obedecida. Cada ‘convênio’, cada ‘aprovação’, cada aplicação é um atentado à ciência, uma afronta às nossas instituições. Exige o texto constitucional que os ‘convênios’ sejam ‘celebrados’ pelos Estados e depois ‘ratificados’. A celebração cabe ao Executivo. A ratificação ao Poder Legislativo. ‘Estado’ não é ‘Executivo’…A obrigação criada por ato que não emane do Legislativo, não obriga a qualquer pessoa, ainda que venha anunciada por convênios, portarias, instruções etc., pois o poder de legislar é absolutamente indelegável. Esse princípio é que difere a democracia dos outros regimes”.

O professor Ives Gandra da Silva Martins ensina:

“… a única arma possível do sujeito passivo, nas fronteiras pequenas que lhe são outorgadas, são aquelas garantias consubstanciadas nos dois princípios fundamentais da estrita legalidade e da tipicidade fechada. Ora, tais garantias, das poucas que ainda restam ao sujeito passivo, não são compatíveis com mecanismos convenientes das ficções legais, das presunções e dos indícios transformados em poderosas técnicas de arrecadação para sanar os irreversíveis “déficits” orçamentários, provocados pelo fracasso da presença estatal na economia”.

Os municípios também seguem a mesma cartilha. Não só em São Paulo, mas também em Osasco e por todo o país.

Conclusão: A agropecuária pode ser vítima mais uma vez do terrorismo tributário. Basta que o presidente não sancione ou vete mesmo que parcialmente o projeto.

Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: www.jornalcontabil.com.br

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